As muitas faces da artista Panmela Castro

Mestre em Processos Artísticos Contemporâneos pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e formada em pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade do Rio de Janeiro, Panmela Castro ou, como também é conhecida, Anarkia Boladona, é uma artista brasileira internacionalmente conhecida como a rainha do graffiti brasileiro.

Essa carioca nascida na Penha, subúrbio do Rio é feminista, ativista de direitos humanos, colecionadora de arte, promotora de street art, curadora, produtora, palestrante, presta consultoria no campo das artes e estudos de gênero e sua veia empreendedora ainda lhe garantiu uma nomeação para o prêmio "Empreendedor de Negócios do Ano" em 2015 para o jornal Folha de São Paulo. É também Fundadora da Rede NAMI, uma organização feminista que reúne talentos artísticos e que busca promover treinamentos e oficinas com o objetivo de incentivar a proteção dos direitos das mulheres e, em essência, acabar com a violência cometida contra as mulheres.

Parece muito? Ainda tem mais! Panmela Castro produziu quadros exteriores em mais de dez países ao redor do mundo, tem obras que fazem parte da coleção de arte do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington D.C. e da Câmara dos Deputados em Brasília. Também expôs em diversas galerias e museus de arte como o Museu da Cultura Brasileira (MUBE) e o Museu de Arte Contemporânea do Bispo Rosário.

Artista dedutiva que tem como suas principais áreas de interesse o corpo feminino em diálogo com a paisagem urbana e as questões de alteridade e de gênero binário, ela se dedica à produção de diversas formas de obras de arte, como arte performática, fotos, vídeos e seus murais de renome mundial.

Panmela não para! E, em meio a um furacão de coisas acontecendo, DOMI conseguiu um tempinho com ela para um bate-papo rápido e muito inspirador

 

Seu currículo é bastante extenso e de tirar o fôlego! Mas quem é exatamente Panmela Castro ou como vc se auto definiria?

Eu sou uma artista com pelo menos 20 anos de carreira que sofreu um processo de marginalização por reflexo da minha classe, gênero e etnia. Minha primeira exposição profissional fiz ainda nos anos 90 no SESC mas só agora, tenho entrado em instituições formais de arte, apesar de já ter meu trabalho internacionalmente reconhecido e apresentado na grande mídia como PBS, CNN e BBC.

 

Fale um pouco sobre seu trabalho hoje, enquanto mulher artista e feminista

Eu acredito que para descrever o tipo de trabalho que eu realizei e realizo hoje, usaria muitas palavras que em um futuro próximo, com a atual circunstância política do país, serão palavras perseguidas e estigmatizadas. Acho que esta circunstância já descreve bem o que eu faço.

 

Quais suas maiores influências ou quais foram suas grandes referências?

Eu recebi uma criação bastante conservadora pela minha família e isso me fez uma criança/adolescente bastante introvertida e de poucos amigos. Logo que comecei a pichar, vi ali uma oportunidade para me relacionar com as pessoas e o meu trabalho nunca mais deixou de ser sobre alteridade; a minha existência a partir das relações que eu estabeleço com os outros. E é justo dessas relações que vem minha inspiração.

 

Como foi seu caminho para chegar até aqui? Olhando para trás, além das suas conquistas e do seu sucesso hoje, quais foram seus maiores desafios ao longo do caminho?

Eu gosto de dizer que vivenciar experiências únicas na marginalidade da pichação, me fez aprender mais do que nas escolas de arte; que muitas das minhas percepções acerca dos direitos humanos, veio deste período quando eu experimentei em meu corpo e psique diversos tipos de violência.

Fui criada como uma "menina branca" por minha família conservadora de classe média. Com o seu primeiro marido, minha mãe enfrentou restrições financeiras e violência doméstica, até que fugiu com o vizinho que lhe proporcionou uma vida digna e me criou como sua filha legítima. Um homem de pouca instrução formal, meu novo pai, providenciou que pudesse me dedicar aos estudos até que aos 15 anos, minha família faliu e eu me vi obrigada a trabalhar iniciando desta forma, uma jornada empreendedora oferecendo cursos extracurriculares de artes em escolas do meu bairro.

Em 1999, quando fiz 17 anos, ingressei na Escola de Belas Artes da UFRJ ao tempo que comecei a pichar. Com a família desestabilizada, abandonou a casa dos pais e morou em uma das favelas mais perigosas da cidade. Para pagar suas contas e estudos, além das aulas, começou a desenhar pessoas nas ruas e vendê-las por 1 Real. Também foi nessa época que, com o codinome Anarkia Boladona, tornei-me a primeira garota de minha geração a escalar prédios para pichar meu vulgo.

Como parte da primeira geração de graffiti no Rio, fui uma das primeiras a pintar trens e intervir ilegalmente por toda a cidade. Em 2007 fui homenageada como grafiteiro do ano e em 2009 como grafiteiro da década; isso em um tempo quando nem tinha mulheres para competir com os homens. Comecei a me dedicar a pintura mural em 2005 depois de uma experiência negativa com violência doméstica.

Vivi por 3 anos com um parceiro que em 2004 me espancou e me manteve em cárcere privado. Naquela época, a violência doméstica era um crime de baixo potencial ofensivo e meu parceiro nunca foi punido. Essa experiência me trouxe ao feminismo e quando a lei de Maria da Penha foi aprovada em 2006, tornou-me um dos símbolos de promoção do fim da violência contra a mulher usando minhas pinturas murais para tratar sobre o tema.

Desenvolvi uma metodologia mundialmente premiada para usar o graffiti como ferramenta de comunicação e fundei a Rede NAMI (www.redenami.com), que enquanto organização de direitos humanos, apoiou desde 2010 mais de 9.000 mulheres. Recebi muitas nomeações, como o Vital Voices Leadership Awards na categoria Human Rights (D.C, 2010), que foi apresentado pela atriz Reese Witherspoon ao lado de Melinda Gates, da Fundação Bill e Melinda Gates; o DVF Awards (NY, 2012), apresentado pela atriz Jessica Alba ao lado de Oprah Winfrey; também fui indicada como Young Global Leader do Fórum Econômico Mundial (2013) e Rising Talents do Women's Forum (2011). Figurei em listas importantes como da revista americana W Magazine sobre a nova geração de ativistas que estão fazendo a diferença (2017) e as "150 mulheres corajosas que estão bombando no mundo" pela Newsweek (2012). Em 2017, a CNN me deu o título de Rainha do Graffiti. Nos dias atuais, meu ativismo está focado em apoiar as mulheres afro-brasileiras que são as maiores vítimas de feminicídio. Desde que iniciei o programa AfroGrafiteiras, dei apoio de longo prazo para 560 artistas negras no Rio de Janeiro.

 

Que conselho que vc daria para alguém que está começando agora e tb para artistas de um modo geral? Se vc conseguisse resumir todo o seu aprendizado ao longo da sua carreira, oq vc acha que seria interessante ou útil ter sabido antes?

Não dá pra ficar em casa esperando a oportunidade cair no nosso colo. Tem que colocar uma meta e pensar em tudo que precisa pra alcançá-la. Se vc não souber, vc tem q perguntar pra quem sabe, e ai ir atrás.

 

Onde mais vc quer chegar? Todos nós, de uma forma ou de outra, perseguimos nossos objetivos diariamente, temos nossos projetos, nossos desejos.. Mas alguns tem também um grande sonho, uma grande meta, qual seria a sua?

Eu quero montar um fundo para que depois da minha passagem, o trabalho da Rede NAMI possa continuar e virar um centro de artes e direitos para mulheres.