Dionísio Jacob: "Penso que a atividade artística, além do seu lado profissional, é também uma busca interna de algo essencial, uma aventura da alma por assim dizer"

Artista multitalentos que desde criança se desenvolveu em uma atmosfera artística integral, Dionísio Jacob é exemplo vivo de que a criatividade é uma força que não pode ser contida.

Cresceu cercado dos livros que os pais liam e adaptavam para os teleteatros, por isso a literatura sempre foi presente em sua casa. Na adolescência apaixonou-se pela pintura e pelo desenho o levando a cursar Faculdade de Artes Plásticas. Fez diversas exposições e ilustrou vários livros. Hoje em dia também escreve, conseguindo combinar perfeitamente bem atividades em artes e literatura.

Se considera um autêntico contador de histórias, seja por palavras ou plasticamente, mas é na verdade o tipo de artista que consegue fazer de tudo e tudo muito bem, exatamente por que faz tudo com muito amor.

Esse mês tivemos o imenso prazer de conversar com esse artista maravilhoso que nos contou mais sobre sua carreira, seu início nas artes e seus planos para o futuro… confira abaixo:

 

Quem é Dionísio Jacob? Para aquelas pessoas que ainda não te conhecem, como você se descreveria, como pessoa e como artista?

 

Sou um paulistano, morador do bairro do Sumaré, zona oeste da cidade, nascido em 1951, casado com Tatiana, pai de Beatriz, artista visual, escritor, com uma formação multidisciplinar. Qualquer outra descrição que pudesse fazer da minha pessoa teria sempre que ver com a Arte em suas múltiplas formas e não consigo vislumbrar um momento sequer da minha vida em que as expressões artísticas não estivessem concorrendo fosse para minha formação como pessoa, fosse moldando e enriquecendo minha visão de tudo o que me cercava. Pintura, cinema, teatro, literatura, foram sempre minha paixão e os elementos formativos mais essenciais do que eu sou.

 

Como a Arte entrou em sua vida ou como você entrou para esse caminho das Artes?

 

Entrei desde cedo. Meus pais foram dois artistas da geração pioneira da televisão, assim como atores de teatro e cinema, com uma atuação marcante nesses segmentos. Para quem não sabe, antes da chegada do vídeo-tape, a televisão era ao vivo. E naquele pequeno período dos anos 1950, houve algo que não mais se repetiu: um teleteatro riquíssimo, com adaptações de clássicos da literatura, de Shakespeare, dos escritores russos, policiais norte-americanos. Era chamado TV de Vanguarda e passava todos os domingos à noite. Num desses houve uma adaptação pioneira de Guimarães Rosa, feita por meu pai, coisa rara mesmo hoje em dia. Mas os próprios artistas precisavam roteirizar esses textos, o que meus pais faziam, além de atuarem como atores e diretores. Digo isso, para enfatizar que cresci dentro de um ambiente fortemente literário, com muitos livros, além de adereços cênicos pelos cantos da casa, como coroas de personagens de Shakespeare e coisas do tipo. E havia também muitos livros de história da arte, ou de pintores como Goya, Rembrandt, Picasso, que me fascinavam bastante e despertaram meu amor pela pintura. Creio que esse background foi fundamental para minha formação posterior. Em 2010 escrevi um livro sobre os dois, publicado pela Imprensa Oficial, chamado DIONISIO E FLORA: UMA VIDA NA ARTE, para resguardar a memória deles e a importância que tiveram para a nossa teledramaturgia.

 

Sabemos que essa é uma definição muito difícil e complexa, mas para você, o que é Arte?

 

Realmente qualquer definição rígida de Arte pode cair num esquematismo e trair essa expressão multifacetada, tão rica, tão humana, que acompanha toda a nossa trajetória nesse planeta conturbado e deixa esse legado vivo da nossa sensibilidade para além de todas as misérias e guerras. Arte é isso ou aquilo, ou qual sua função, são questões prementes, mas que podem levar a becos sem saída, ou atitudes programáticas ou propagandísticas. O fato essencial é: ela tem existido desde sempre, como uma expressão inegável da alma e uma forte necessidade das pessoas e das sociedades para além de uma função prática específica e que permanece como um legado muito rico. Haverá sempre algo de mistério envolvido na necessidade criadora, não como um misticismo, mas como algo que supera a aridez da lógica. Aquele dois mais dois igual a cinco que cria um respiro na imaginação. Creio que sem a expressão artística a vida humana seria intoleravelmente rala e superficial. Como disse John Keats no poema Endymion: A thing of beauty is a joy forever.
 


Nos conte um pouco sobre suas influências, seus mestres, suas inspirações ou mesmo musas.

 

Um momento muito importante da minha formação foi a participação no Pod Minoga Studio, dirigido por Naum Alves de Souza, grande dramaturgo, além de artista plástico. Conheci Naum e os colegas deste grupo, que sempre me influenciaram muito, quando entrei para um curso de pintura para adolescentes no final dos anos 1960, uma época muito vibrante, com muito experimentalismo. Esse curso, ministrado na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), era bem moderno para a época e procurava explorar a criatividade dos alunos. Além das aulas de pintura, havia as de teatro e quando o curso se encerrou, nos juntamos em torno do Naum para a formação do Pod Minoga que, como disse, foi uma experiência marcante e muito singular. Durante mais ou menos uns quinze anos participei de uma imersão num universo estético que diluía barreiras entre linguagens: fazíamos teatro e exposições de arte. Éramos cenógrafos, figurinistas, escrevíamos os textos, atuávamos como atores. O Studio situava-se num galpão da Oscar Freire, uma antiga funilaria, onde construímos uma pequena arquibancada e criamos um público fiel, fosse para as peças ou para as exposições de arte. Esse universo feérico foi devidamente documentado num livro editado pelo SESC intitulado POD MINOGA: A ARTE DE BRINCAR NO PALCO. Paralelamente ao Studio eu fiz um curso de fotografia na Escola Panamericana de Artes e a Faculdade de Artes Plásticas da FAAP, onde tive excelentes professores. Fui monitor do artista Mario N. Ishikawa na matéria de Desenho Analítico. Também fui assistente do artista José Guyer Salles na sua Oficina de Gravura, duas pessoas com quem aprendi bastante. Enquanto isso também começava a escrever meus livros. Quando o Pod Minoga encerrou suas atividades no início dos anos 1980, todos os integrantes passaram a desenvolver seus trabalhos pessoais fosse no teatro ou nas artes. Participei de algumas exposições importantes como a Trama do Gosto, na Fundação Bienal, com curadoria de Sonia Fontanezzi e Perdidos no Espaço, no MAC (Museu de Arte Contemporânea), além de diversas outras no SESC e galerias diversas, além de começar a publicar meus livros por diversas editoras. Todas essas pessoas, amigos, professores, foram fundamentais na minha formação.

 

Em que consiste seu trabalho hoje?

 

De toda aquela diversidade experimentada no Studio, as áreas que se revelaram mais consistentes para mim foram sem dúvida tanto o meu trabalho literário, como o de artista visual e tenho me dedicado bastante a ambos. Durante muitos anos trabalhei como professor de artes em diversas escolas, como a Fundação das Artes de São Caetano. Tive também uma pequena escola de artes para crianças e adolescentes em Perdizes, chamada Casa do Sol durante os anos 1980. Esse contato direto com o público infanto-juvenil me marcou demais, até mesmo no cromatismo dos meus trabalhos visuais. Tenho publicado muitos livros dedicados à essa faixa por várias editoras, assim como roteirizado programas da TV Cultura, como Castelo Rátimbum e outros. No campo das artes visuais venho trabalhando atualmente em duas vertentes: uma física e outra digital. Na primeira são pinturas em acrílico. E na segunda são desenhos feitos em programas digitais diversos, procurando explorar as possibilidades desse novo bidimensional que são as telas dos computadores, celulares, laptops, com sua luminosidade própria. Embora salve os trabalhos com 300 dpi, o que permite boa impressão, creio que eles estão inteiros nessas telas que permitem o modo de cor RGB. Tenho chamado esses trabalhos de Gravados Digitais e exposto em sites como Instagram (https://www.instagram.com/dionisio.jacob/) e Flickr. Neste último organizei meus trabalhos em álbuns que vão desde obras recentes até trabalhos mais antigos (https://www.flickr.com/photos/96485464@N07/sets/). Já meus trabalhos literários estão no site (https://www.diojacob.com/).

 

Como a questão do isolamento social, decorrente dessa pandemia que está afetando o mundo todo, afetaram o seu processo criativo?

 

Claro que essa pandemia nos afetou a todos de diferentes modos, causando muitas perdas. Em relação ao meu trabalho artístico, do ponto de vista de produção, não foi um impacto tão profundo, pois tanto o trabalho visual, como o literário sempre foram feitos com certo “isolamento”. Mas quando esse isolamento nos torna fechados em casa, alguma coisa da nossa dinâmica social se perde e isso com certeza afeta a nossa sensibilidade. Durante o primeiro semestre de 2020, produzi uma série de Gravados Digitais num álbum que chamei de Anima, ( https://www.instagram.com/p/CLAaDW_nPgB/) sem uma intenção proposital de refletir o que acontecia. Mas uma amiga minha ao ver os trabalhos disse que tinham alguma coisa diferente, uma certa tom dos personagens que, segundo ela refletia o período. Essa conexão com o tempo é inevitável, mesmo que não seja intencional. Espero que com a chegada das vacinas possamos superar essa fase, mas temos uma caminhada pela frente.

 

Quais você diria que foram ou ainda são seus grandes desafios para trabalhar e viver de Arte aqui no Brasil?

 

Os de sempre. Arte é sempre elogiada de modo geral, mas para uma pessoa particular trilhar esse caminho, nem sempre é tranquilo. É necessário ter paixão e resiliência. Muitas vezes foi necessário fazer trabalhos paralelos para sustentar a vida de todos os dias. Mesmo em fases mais complicadas a necessidade de expressão pessoal foi forte o suficiente para manter sua energia e seguir em frente.
 


Olhando para trás em sua carreira e seguindo sua trajetória profissional até o momento atual, quais você diria que são as características ou atributos fundamentais que um artista precisa ter?

 

Como disse acima: paixão e resiliência. Não é possível pensar num envolvimento pessoal com a arte sem entusiasmo. Creio que um artista sente sempre a necessidade de expressar um sentimento profundo, algo que precisa tomar forma e que tem certa urgência. A busca dessa expressão é que cria um trabalho coerente, uma visão de mundo singular.

 

Que conselhos ou sugestões você daria para um jovem artista ou alguém que esteja apenas começando a dar seus primeiros passos no mundo da Arte?

 

Conselhos são sempre difíceis, pois as circunstâncias mudam com o tempo. Como disse anteriormente minha formação se deu numa era de muito experimentalismo, que foram os anos 1960 e 70, com ênfase numa abordagem multidisciplinar. Hoje em dia a palavra da vez parece ser “foco”, o que é bom, claro. De qualquer forma, um artista precisa sempre estar refinando seus meios expressivos, estudando, olhando em volta, atento para o que se produz de melhor. Com a Internet surge essa possibilidade de uma rapidez de informação que pode ser um coisa boa, se bem utilizada. Enfim, trabalho, trabalho, trabalho...

 

Onde mais quer chegar? Nos conte mais sobre seus planos, sonhos ou projetos para o futuro.

 

Acredito que um projeto artístico pessoal é capaz de se manter vivo e com energia criativa sempre. Não há aposentadoria em arte. E mais: o aprofundamento de uma linguagem não cessa. Não imaginava, tempos atrás, que pudesse vir a trabalhar com arte digital. O tempo lança desafios que nos impactam, exige respostas e nos torna sempre atentos.

Penso que a atividade artística, além do seu lado profissional, é também uma busca interna de algo essencial, uma aventura da alma por assim dizer. Quero seguir criando sempre. E procurando chegar o mais longe que eu puder, dentro da minha arte.

 

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